Nesses tempos de fake news, é necessário saber o que é verdade e o que não é comprovado pela ciência. Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, Roberto Lent vê uma gradação de neuromitos. “Alguns são completamente absurdos, como afirmar que usamos só 10% do nosso cérebro”, exemplifica. “Outros têm um fundo de verdade, mas perdem valor quando usados de forma exagerada.”
Quais são os outros mitos que circulam há muito tempo na internet? O que é verdade e o que não pode ser comprovado até o momento?
NEUROMITOS
Ginástica Cerebral
Métodos para exercitar o cérebro tornaram-se um produto, e franquias de academias de ginástica cerebral proliferam. Tudo bem, só que, em seu material publicitário, essas empresas costumam afirmar que o cérebro é um músculo. Não é. Basicamente, é tecido nervoso. A analogia serve apenas para explicar a necessidade de manter o cérebro em uso de forma que não perca conexões neurais e siga sempre formando novas conexões. É o que as pessoas fazem quando tentam resolver um problema matemático, quando aprendem uma nova língua ou as regras do jogo de xadrez. A partir desse pressuposto, empresas oferecem uma série de fórmulas e de joguinhos para supostamente aumentar a capacidade cognitiva, criar novos caminhos neurais, ajudar alguém a ir bem em um exame. Mas não há sistema de avaliação para medir a eficácia desses produtos.
Períodos críticos para a aprendizagem
Há fases mais propícias para se aprender certas coisas, mas é a interpretação fundamentalista deste conceito que o coloca na categoria de neuromito. Em consequência desses exageros, os pesquisadores preferem chamar de “período sensível” a fase em que o desenvolvimento de uma capacidade cognitiva exige menos esforço do ser humano. Mas isso não significa que se perde a oportunidade de desenvolver habilidades. O período para a aquisição de qualquer conhecimento é indefinido, como mostram as últimas descobertas sobre a plasticidade cerebral. É, sim, possível, fazer novas ligações entre os neurônios (sinapses) durante toda a vida.
Pessoas criativas usam o hemisfério direito do cérebro; as mais lógicas, o esquerdo
Conceito popular tanto na criação de algumas estratégias educacionais quanto nos livros de autoajuda, a hipótese não é corroborada pela neurociência. Embora o cérebro seja anatomicamente dividido em dois hemisférios e exames de neuroimagem identifiquem a lateralização de certas capacidades cognitivas (por exemplo a linguagem é acionada no lado esquerdo), o cérebro como um todo é usado para a realização de tarefas intelectuais. Por exemplo, para aprender uma língua, entram em ação a parte esquerda (da linguagem) e a direita (controle da atenção). Pesquisas feitas com scanners cerebrais também mostram que, na maioria das pessoas, não há prevalência de um dos lados do cérebro.
NEUROVERDADES
Qualidade e período do sono têm impacto na aprendizagem
Muitos grupos de estudos pesquisam a relação entre sono, memória e desenvolvimento cognitivo. Já existe evidência suficiente para afirmar que uma noite bem dormida ou uma sesta após o almoço tem efeito positivo no aprendizado.
Também há pesquisas científicas mostrando como o ritmo circadiano (período de sono e vigília) interfere na aquisição de conhecimento de alunos de diferentes faixas etárias. Experiências em escolas que retardaram o horário do início das aulas têm comprovado a melhora no desempenho acadêmico causada por mais horas de sono. Essas evidências estão de acordo com descobertas da neurociência sobre consolidação e reestruturação da memória quando dormimos e a necessidade do sono para a concentração e para a recombinação de ideias que leva à resolução de problemas.
Dieta certa está ligada ao desenvolvimento cognitivo
Há uma correlação direta entre consumo de nutrientes e atividade cerebral e muita evidência científica mostrando como dietas deficitárias prejudicam o desenvolvimento cognitivo. A ciência indica que alimentação equilibrada, em que produtos ultraprocessados não substituem ingredientes naturais, é também uma questão de boa educação.
Uma série de estudos mostra como o café da manhã influencia o aproveitamento das aulas. De acordo com as pesquisas, não fazer a primeira refeição do dia prejudica a realização de tarefas intelectuais mais complexas e a memória de curto prazo. Mas é bom lembrar que a relação positiva entre nutrientes e cognição se aplica à qualidade e variedade de alimentos “in natura”, e não a determinados suplementos; não há evidência de que cápsulas de vitaminas tenham efeito no desempenho intelectual.
NEUROAPOSTAS
Educação bilíngue traz vantagens cognitivas
A análise de diferentes estudos com crianças bilíngues aponta para algumas vantagens, como maior rapidez em avaliar diferentes informações, focalizar nas informações que são mais relevantes e resolver problemas. Em pesquisas realizadas em escolas dos Estados Unidos e do Reino Unido, alunos bilíngues também apresentaram maior facilidade para mudar de uma tarefa para outra e para controlar a atenção. Mas ainda são necessários mais estudos para determinar variáveis que podem interferir nesses resultados, como condições sociais e econômicas dos estudantes.
Meditação melhora o desempenho escolar
Técnicas de meditação, como ioga e mindfulness, são objeto de estudo da neurociência há algum tempo. Há desde pesquisas sobre melhora de sintomas em pessoas com stress pós-traumático a imagens computadorizadas do aumento e da redução da atividade em certas áreas do cérebro que podem explicar efeitos como maior concentração e diminuição da ansiedade.
Esses resultados têm efeito na cognição e no desempenho intelectual e começam a ser testados em escolas. Mas, por enquanto, os estudos mais amplos sobre os efeitos da meditação são os realizados com adultos. Ainda é preciso pesquisar um número maior de crianças e adolescentes e, por enquanto, não está estabelecido como as práticas podem ser replicadas em diferentes ambientes escolares e para quais faixas etárias são mais indicadas.
Fontes: Roberto Lent, da UFRJ e Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino; Roberta Ekuni, coordenadora do grupo de Estudos em Neurociência da Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná) e editora da coleção “Caçadores de Neuromitos”; estudo do Centre for Educational Neuroscience da Universidade de Londres